10/06/2013

Inhapi é referência em matéria publicada pelo jornal Gazeta de Alagoas


O sol na cabeça, o cabo da enxada e o chão esturricado do Sertão de Inhapi sempre fizeram Quitéria Ferreira da Silva, 41 anos, sofrer calada. Presa ao destino numa das áreas mais pobres (e machistas) do país, era obrigada a suportar as agressões e vontades do marido. Até o dia em que levou um chute no rosto e resolveu se rebelar. Como um juiz de futebol, levantou um cartão amarelo de advertência: o cartão do Bolsa Família. 

Quitéria mandou o agressor para fora de casa e ficou separada por cinco meses, algo impensável antes de começar a receber o dinheiro para alimentar os três filhos. “Foram cinco meses de sossego, momentos felizes em que me senti muito melhor”, recorda a sertaneja, com sorriso triste. Até hoje diz que só aceitou o companheiro de volta por causa dos apelos das crianças. Mas agora é outra mulher. Se vier nova falta grave, puxa o segundo cartão amarelo, equivalente a uma expulsão definitiva.

O boato sobre o fim do Bolsa Família provocou um levante popular e muitos debates sobre o maior programa de transferência de renda do mundo. Além do impacto financeiro na vida de mais de 54 milhões de brasileiros situados abaixo da linha da pobreza (menos de R$ 140 per capita), o benefício mensal que gira em torno de R$ 155 está mudando costumes, tradições e provoca uma revolução sociocultural. Tudo isso porque os cartões são entregues a mães que, na grande maioria, nunca tiveram uma renda fixa na vida.

Mulheres priorizam bem-estar da família

A pesquisa da antropóloga da Universidade de Campinas, Walquíria Leão Rêgo, aponta que as beneficiárias do programa experimentam certo grau de liberdade e autonomia porque podem escolher a forma de empregar o dinheiro. Também têm ganhos de dignidade perante os demais membros da comunidade porque se tornam confiáveis: “O cartão do Bolsa Família é a única coisa que me deu crédito na vida, antes não tinha nada”, diz uma das entrevistadas.

“O estudo deita por terra certos preconceitos, como aquele segundo o qual não se deve dar dinheiro aos pobres, que não saberiam como empregá-lo. As mulheres ouvidas na pesquisa demonstram o contrário: em geral elas gastam prioritariamente com alimentos, em especial para as crianças. Uma delas informa que pôde comprar, finalmente, um inalador para um filho que sofre de crises asmáticas”, descreve um trecho da sinopse do livro.

Para a antropóloga, o estudo também desafia outro preconceito: o de que as mulheres que recebem o Bolsa Família ficam acomodadas. “As mulheres ouvidas almejam muito mais do que uma renda mínima proveniente de um programa governamental: todas as entrevistadas afirmaram que gostariam mesmo é de ter trabalho regular e carteira assinada”, constatou a pesquisadora.

A catadora de lixo que virou empreendedora

O dinheiro é pouco, mas as mães do Bolsa Família sabem multiplicá-lo. Há dez anos, quando começou a receber R$ 98 por mês, Rosineide dos Santos começou a poupar e sonhar. Queria deixar de ser catadora de lixo para abrir um negócio. Era preciso guardar cada centavo que sobrava das compras de comida. Garantida pela renda fixa formal, pediu um empréstimo de R$ 3 mil, mas o banco só liberou R$ 80. Mesmo assim aceitou, melhor do que nada.

Pegou o dinheiro e comprou uma porca. Se o suíno dos cofrinhos é o símbolo da economia, da poupança, o animal adquirido por Rosineide trouxe prosperidade. A porca estava prenha e teve 16 porquinhos. De cara, a empreendedora vendeu logo quatro crias por R$ 200, quitou a dívida com o banco, adquiriu um empréstimo maior e comprou roupas usadas que estendia no chão e vendia no meio da feira do Benedito Bentes 2, em Maceió.

Da roça à conquista da estabilidade financeira

Após uma vida inteira de labuta na roça, Maria Clara dos Santos se valeu da ajuda do Bolsa Família para investir no fornecimento de quentinhas. Hoje, aos 51 anos, a mãe de oito filhos conseguiu abrir uma empresa com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), atende encomendas de até 250 refeições e tem clientes importantes como a ONG Visão Mundial. 

Com tudo isso, pediu para deixar de receber o benefício social. “Pensei que havia outras pessoas precisando mais do que eu. O Bolsa me ajudou bastante, mas eu não estava sendo digna de estar com esse cartão com tanta gente precisando mais do que eu”. A consciência e a honestidade falaram mais alto.

Índia da etnia Koiupanká, Maria começou no mundo dos negócios com a produção de doce de leite. O pai tinha três vacas e lhe dava sempre um pouco de leite. Trabalhava duro na roça e começou a vender parte da colheita com o marido, filhos e parentes. Com o apurado e a ajuda do Bolsa Família, montou seu primeiro barraco na feira, quando passou a ser mais conhecida como “Maria do Barraco”.
Por Gazeta de Alagoas/Inhapi em Foco